domingo, 24 de junho de 2007

Devaneio de felicidade

à Ivana Carneiro Botelho e Fernando Pessoa
Embriaguez de felicidade, excesso de devaneio, frenesi de sentimentos! Embora Colombina sem Pierrot, apenas o fato de poder amar já liberta minha alma. Assim escrevo estas festivas palavras, uma parcela de minha felicidade, uma forma de expressar meu coração. Com uma pitada de loucura em minha prudência, liberto-me de quereres e me tomo de poderes. Foi numa espécie de estado de mudança feita pelo vento, junto com o lançar-se no incerto ao navegar, que navego em mim em cada instante. Assim como o estado de mudança impulsiona esse meu lançar-se no incerto, o vento impulsiona as velas de uma nau. Navegar é preciso, e é minha vontade de poder que me encoraja. Estou comandante de mim, tripulação da minha paixão, nau no mar revolto de minha alma.Que meu carnaval se torne eterno enquanto dure, que só tenha fim quando me for privada do devaneio dessa felicidade. Se brincar de ser feliz só cabe às crianças, serei menina até o fim de meus dias, pois sou poeta e estou livre para amar.

Metalinguagem de mim

Ser poeta é significar seus sentimentos, suas paixões, seus afetos. Significar o oculto da alma, compor o que está no coração. Assim como tocar uma sonata é ler um soneto. Assim como compor uma canção é escrever uma poesia. Ambas mostram o que tenho dentro de mim. Ambas me despem do meu interior, me elevam ao mais alto prazer de libertar-me, seja dos sentimentos, seja das paixões, seja dos afetos. Escrever em um papel, nem que seja em rabiscos, nem que seja por garrancho, nem que seja por tecnologias. Ser poeta é apenas ser. Uma arte expressa pelo que nos caracteriza humanos. Posso cantar cantigas de amor que cantarei poesia, posso esbravejar com a ira, mas falarei poesia, posso simplesmente ficar inerte, e ainda serei poeta. Assim é criar em minha mente o que meu coração completa. Assim é criar a metalinguagem de mim.

terça-feira, 19 de junho de 2007

O que virá

O que virá trará consigo o sei lá o que nunca visto. Me abandonando de mim, fazendo me esquecer no que sou como espelho. Me libertará da vida de Iara lançando seu feitiço contra mim, seduzindo-me a cada olhar. O que virá me terá como a pureza impura de uma lírica de amor. Transformará minha melodia menor em arranjos maiores, compondo uma bela sonata ao brilho de nossos olhares se tocando pela primeira vez, pois não se conformarão apenas com o encontro. Será infinito como os desejos dos homens. Será em mim o que serei nele. Seremos juntos o que jamais fomos um dia. É parte de mim. Trará consigo uma parte de minha alma, aquela que me inquieta, que me anseia, que me angustia pelo vazio que agora me faz. O que virá será para mim como serei para ele. Seremos um para o outro como ninguém até agora foi. O que virá está perto, eu sinto. Meu coração palpita pela proximidade que se faz real nas duas vidas. Basta saber se o que virá saberá que sou eu que venho. Por tantos outros passei despercebida e tantos outros despercebidos passaram por mim. Porém tenho a esperança de que minha alma gritará ao encontrar com a dele. Ambas já se clamam há tempos. O momento será mágico, será belo. Por agora é desejo. Por agora, pois ele vem.

O exorcismo de Iara

Iara, desapodere-se de mim. Minha doçura é seu canto. Minha meiguice é seu veneno. Com os alheios, cativa suas almas e despresa seus corações. Não sou eu, escute bem! És demônio, Iara. Te apoderates de meu corpo. É a sede de poder que explica teus atos. O que faço não é meu. Me possui, e por mais que me agrade a conclusão dos fatos, eu me culpo pela negligência posterior. Vá embora e não volte mais! Eu ordeno que não destrua mais um coração cativo! Os afetos são flores que quando presentes encantam os jardins do ser. Quando desacreditados detonam os brilhos dos corações. Por isso, Iara, te imploro. Não te aproximes mais de meu ser! Deixe-me cultivar os corações de minha maneira! Teu castigo será tua solução. Gravarei teu canto e escutarás. Encantarás a ti mesma e terminarás como Narciso. Viverás sozinha e me trará a liberdade de viver a completa felicidade.

terça-feira, 12 de junho de 2007

DesAções

Pela janela da rua ela passa, com seu jeito de andar cativante, instigante. Pela janela da rua ele a observa, como um tesouro a ser conquistado. Pela porta ninguém passa para tomar uma atitude. Até que ela passa. Até que ele se cansa. Pela porta do coração ela espera alguém que a queira devidamente. Por ela, seu jeito de andar não instiga ninguém. Por isso ela passa, por isso ela vai. Pela janela do querer ele observa até achar alguém que o queira. Por ele, ninguém o quer e jamais quererá. Os tesouros viraram objetos inconquistáveis. Até que ele se cansa, por isso ele vai. É tudo culpa da vida, dizem os dois.

Escrito no céu

Aflita está ela, soluçante, ansiosa por um sei lá o que nunca visto. Sozinha está ela sem querer se abrir, pois acha fúteis demais as coisas que anseia falar. Até que ela vê seu nome no céu, escrito por um alguém. Será quem que escreveu? Alguém que a queira? Ainda aflita, soluçante, ansiosa, porém realizada. Seu papel foi cumprido, embora não concretizado. Mas isso não importa, diz ela. Por tantas vezes olhava para o céu e só via rabiscos. Agora ela vê seu nome, escrito por alguém que já a realizou.
Ela busca mais, busca o que sabe q não vai alcançar. Por que contina? Porque sonhos existem.

Umbigo cicatrizado

Eles gostam de a ter, mas não a tem. Eles gostam de retribuição, mas é pura cordialidade. O prato está vazio e solitário à mesa pois as asas se foram abertas. Ela volta, mas não é a mesma. A criança já não se é mais. Mas somente para eles que não se deram conta de que não a possuem, pois ainda estão com o cordão sangrando. Não se domina um ser livre. Se pensa tal absurdo. Não seria mais fácil encarar os fatos? Os peseudo-donos estão presos ao berço. Cegos, ou quase cegos, pois acham que a sombra da criança é a própria, mas ela se foi. Não a chame mais com consoantes. Não a regrida ao que não é! Inevitavelmente suas asas cresceram. Nada mais se há de fazer para impedir. Apenas seguir o curso. Carry on. Quanto mais se sufoca menos se tem, menos ela volta. Seu umbigo já cicatrizou.